quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A poesia condoreira

A terceira geração romântica descobre um Brasil diferente.Á beleza do mundo natural e à coragem dos antepassados indígenas somam-se a vergonha pelas injustiças e o horror pela escrevidão.É o início do Romantismo social.

O Brasil da terceira geração romântica

O Brasil da terceira geração romântica  já não era o mesmo em que viveram os pioneiros do Romantismo no país,Gonçalves de Magalhães(1811-1882) e Gonçalves Dias (1823-1864).O ufanismo nativista, que a primeira geração romântica tanto valorizou,já não sensibilizava os novos poetas.A necessidade de afirmar a nacionalidade,despertada pela independência política anda perdurava.
O país encontrava-se diante de novos problemas:a cultura urbana vinha se desenvolvendo lentamente;o país rural comçava a entrar em crise;os ideais democráticos surgiam entre as pessoas mais esclarecidas;a moral do senhor e do escravo,que manchava a vida social do império,começava a ser questionada por alguns intelectuais.
Diante desse novo quadro,os românticos não serefugiam mais em seus sonhos,e a morte deixa de ser a solução para sua inadaptalidade ao mundo.A saída que preconizam é a denúncia social e a repulsa á condição  humilhante do ser humano escravizado.A influência de Byron (1788-1824) cede lugar à temática do romantismo social do francês Victor Hugo (1802-1885).Essa última tendência da poesia do Romantismo brasileiro recebe o nome de condoreirismo.Essa terceira geração romântica brasileira,também denominada social ou hugoana,cultiva,portanto uma visão mais ampla e próxima da realidade social.Os poetas,entre eles Castro Alves (1847-1871).Tobias Barreto (1839-1889) e Sousândrade(1833-1902),lutavam por causas sociais nobres como a abolição e a República.

Tobias barreto:o iniciador do condoreirismo

Tobias Barreto de Menezes (1839-1889) foi filósofo,poeta e jurista,além de fervoroso integrante da Escola do Recife,movimento filosófico que tinha como base as ideias evolucionistas.Tobias Barreto é considerado o iniciador do condoreirismo brasileiro.Em 1865,foi colega de Castro Alves no primeiro ano da Faculdade de Direito,no Recife.Entre seus poemas destacam-se ''Amar'' (1866),''O gênio da humanidade'' (1866) e ''A escravidão'' (1868).

 A ESCRAVIDÃO

Se Deus é quem deixa o mundo
Sob o peso que o oprimi,
Se ele conserte esse crime,
Que se chama a escravidão,
Para fazer homens livres,
Para arrancá-los do abismo,
Existe um patriotismo
Maior que a religião.

Se não lhe importa o escravo
Que a seus pés queixas deponha,
Cobrindo assim de vergonha
A face dos anjos seus,
Em seu delírio inefável,
Praticando a caridade,
Nesta hora a mocidade
Corrige o erro de Deus!...
 Castro Alves: o amante da liberdade
Antônio de Castro Alves (1847-1871) nasceu em Curralinho,hoje denominada Castro Alves,na Bahia,em 1847.Seu pai,Antônio José Alves,era médico e professor na Faculdade de Medicina de Salvador,sua mãe,Clélia Brasília da Silva Castro,faleceu quando o poeta tinha apenas 12 anos.
Em 1862,Castro Alves muda-se para o Recife e,depois de algumas tentativas ,ingressa na Faculdade de Direito,em 1864.Nesse período,inicia o romance com a atriz portuguesa Eugênia Câmara,que muito lhe incentivou a carreira literária.Em 1868,transfere-se para São Paulo,matriculando-se no terceiro ano da Faculdade de Direito do Largo São Francisco.Eloquente declamador,engaja-se nas lutas políticas e sociais.No mesmo ano desfaz sua ligação amorosa com Eugênia,o que muito o abalou.
Outro episódio que lhe trouxe grandes dissabores ocorreu durante uma caçada:sua espingarda disparou acidentalmente,ferindo seu pé esquerdo.Por causa desse ferimento,passa por intervenções cirúrgicas e,por fim no Rio de Janeiro,tem o pé amputado por causa de uma gangrena. 
De volta à Bahia,passa a morar em fazendas de tios,em regiões de clima  saudável,procurando restabelecer a saúde,comprometida pela tuberculose que já havia se manifestado nos seus anos de estudante no Recife.Em novembro de 1870 é publicado seu primeiro livro, Espumas flutuantes,o único que conseguiu publicar em vida.Mesmo com a saúde debilitada,Castro Alves ainda produziu alguns de seus mais belos poemas.
Faleceu em 1871,com 24 anos,sem concluir uma série de poemas sobre a escravidão.
As duas vertentes da poesia de Castro Alves

 O poeta dos escravos:Castro Alves ficou conhecido como '' o poeta dos escravos'' em razão da temática abolicionista em seus poemas,que apresentavam com detalhes o horror dos navios negreiros e as injustiças sofridas pelos negros.
 É desse período sua poesia mais conhecida '' Navio Negreiro'' (1880),publicada depois de sua morte.Nesse poema estão presentes as características condoreiras não apenas da terceira geração romântica,mas especialmente de Castro Alves:estilo eloquente,imagens e linguagens grandiosas e ,sobretudo,dramaticidade.A poesia ''Navio negreiro'' apresenta seis cantos (partes), a saber:
Yacht-03.gif (9166 bytes)
I-descrição do belo natural,a exuberância da natureza brasileira;
II-descrição do belo humano,a valorização dos marinheiros de diferentes países;
III-indignação ao ver o que se passa no interior do navio,estupefação;
IV-descrição dos horrores cometidos contra os escravos;
V-comparação da vida pregressa dos negros com o horror do momento;
VI-crítica ao Brasil por se beneficiar com a infame escravidão. 


  I
'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.  
 'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...  
(...)

II
    
Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
As vagas que deixa após.  
(...)

III
   
Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!
É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!
  (...)
 IV
 E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .
E da ronda fantástica a serpente
          Faz doudas espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
          E ri-se Satanás!...  
(...)
  V    
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão! 
(...)
Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cúm'lo de maldade,
Nem são livres p'ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!...  
(...)

VI
      
Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio.  Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto! ... 
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...  
(...)
 A poesia lírico-amorosa-além da vertente social,Castro Alves também escreveu poemas amorosos.Porém,ao contrário dos poetas anteriores,principalmente dos ultrarromânticos,sua representação da mulher afasta-se da idealização,para representá-la sob uma visão erótica.
É o que se pode observar na poesia ''Boa noite''.

Boa-noite
Boa noite, Maria! Eu vou-me embora.
A lua nas janelas bate em cheio...
Boa noite, Maria! É tarde... é tarde...
Não me apertes assim contra teu seio.

Boa noite!... E tu dizes – Boa noite.

Mas não digas assim por entre beijos...
Mas não me digas descobrindo o peito,
– Mar de amor onde vagam meus desejos.

Julieta do céu! Ouve.. a calhandra

já rumoreja o canto da matina.
Tu dizes que eu menti?... pois foi mentira...
...Quem cantou foi teu hálito, divina!

Se a estrela-d'alva os derradeiros raios

Derrama nos jardins do Capuleto,
Eu direi, me esquecendo d'alvorada:
"É noite ainda em teu cabelo preto..."

É noite ainda! Brilha na cambraia

– Desmanchado o roupão, a espádua nua –
o globo de teu peito entre os arminhos
Como entre as névoas se balouça a lua...

É noite, pois! Durmamos, Julieta!

Recende a alcova ao trescalar das flores,
Fechemos sobre nós estas cortinas...
– São as asas do arcanjo dos amores.

A frouxa luz da alabastrina lâmpada

Lambe voluptuosa os teus contornos...
Oh! Deixa-me aquecer teus pés divinos
Ao doudo afago de meus lábios mornos.

Mulher do meu amor! Quando aos meus beijos

Treme tua alma, como a lira ao vento,
Das teclas de teu seio que harmonias,
Que escalas de suspiros, bebo atento!

Ai! Canta a cavatina do delírio,

Ri, suspira, soluça, anseia e chora...
Marion! Marion!... É noite ainda.
Que importa os raios de uma nova aurora?!...

Como um negro e sombrio firmamento,

Sobre mim desenrola teu cabelo...
E deixa-me dormir balbuciando:
– Boa noite! –, formosa Consuelo...


As obras de Castro Alves

Com exceção de Espumas flutuantes(1870),todas as demais obras de Castro Alves foram publicadas após sua morte,em 1871,São elas: A cachoeira de Paulo Afonso(1876),Vozes d'África,Navio negreito (1880),Os escravos (1883).
Em 1867,Castro Alves escreveu também uma peça para teatro intitulada Gonzaga ou a Revolução de Minas,publicada postumamente em 1875.Esta peça foi escrita especialmente para sua amada Eugênia Câmara e representada no Teatro São João,em Salvador.




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